Rodrigo Oliveira
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Optogenética: definição, avanços e aplicações na neurociência.

A neuromodulação permite a investigação da relação causal entre a atividade neural e comportamentos e alterações fisiológicas específicas, estimulando locais-alvo no sistema nervoso, facilitando o diagnóstico e o tratamento de distúrbios neurológicos e sintomas associados a partir do avanço da pesquisa básica. Existem várias técnicas de neuromodulação, como a estimulação cerebral profunda por exemplo, que se baseia em um método de estimulação elétrica de um grupo de neurônios de forma invasiva através de eletrodos. No entanto, continua a ser um desafio fundamental para alcançar a neuromodulação específica para cada tipo de célula utilizando eletrodos convencionais. Nesse contexto, a optogenética é uma ferramenta poderosa que tem revolucionado o campo da neurociência nos últimos anos utilizando a neuromodulação óptica. Ela combina a genética com a óptica para controlar a atividade neuronal de maneira precisa e específica quando comparadas a outros tipos de técnicas. Aqui, vamos explorar os princípios básicos da optogenética e discutir suas aplicações na neurociência.

A optogenética utiliza proteínas fotossensíveis, chamadas de opsinas, que são capazes de responder à luz e modular a atividade neuronal. As opsinas mais comumente usadas são as channelrhodopsins (ChRs), que podem ser ativadas pela luz azul, e as halorodopsins (NpHRs), que podem ser inibidas pela luz amarela, que são expressas nas células neuronais por meio de vetores virais ou técnicas de transgenia. No caso dos vetores virais, eles são injetados para infectar as células neurais alvo, fazendo com que essas células sejam sensíveis a luz. Posteriormente, é realizado o implante de fibras ópticas nas áreas específicas do cérebro a serem investigadas para que se possa estimulá-las (Imagem abaixo). Utilizando uma iluminação espaço-temporalmente precisa no tecido neural, essa técnica fornece a ativação direcionada e inibição da atividade neuronal ativando opsinas expressas geneticamente em neurônios específicos. Em comparação com a maioria dos métodos de neuromodulação elétrica, a optogenética oferece ativação e inibição específicas do tipo de neurônio em animais vivos, fornecendo assim uma espécie de “disjuntores neurais” para dissecar o circuito neural subjacente a comportamentos e distúrbios específicos. Dessa forma é possível estimular ou inibir diferentes neurônios durante uma mesma tarefa comportamental, por exemplo. Isso permite identificar e controlar seletivamente as células neuronais envolvidas em determinados circuitos cerebrais, fornecendo insights sobre como esses circuitos estão relacionados a comportamentos específicos, o que tem sido especialmente útil no estudo de circuitos complexos, como os envolvidos na emoção, tomada de decisão e controle motor.

Essa ferramenta tem sido amplamente utilizada para investigar os circuitos neurais e os mecanismos subjacentes a diversas funções cerebrais. Suas aplicações são vastas e abrangem diversas áreas da neurociência. Além do mapeamento e modulação de circuitos neurais, a optogenética também tem sido aplicada na Investigação da plasticidade sináptica (associada a mecanismos de mecanismos de aprendizado e memória), modelagem de doenças neurológicas e psiquiátricas ( associado ao estudo dos mecanismos subjacentes a essas condições e desenvolver estratégias terapêuticas de fisiopatologias como doença de Parkinson, epilepsia, depressão e transtornos do espectro autista, por exemplo), e Investigação de redes neurais envolvidas em comportamentos complexos (como alimentação, sono, reprodução e processamento sensorial).
Entretanto, a distribuição de luz no cérebro representa um desafio prático para a optogenética in vivo, visto que a luz visível, que é usada para excitar a maioria das opsinas em optogenética, não pode penetrar na regiões profundas do cérebro devido à dispersão no tecido e à absorção pelos cromóforos endógenos. Por esse motivo, para fornecer luz eficientemente em áreas mais profundas do cérebro, as fibras ópticas são implantadas. Porém, o processo de implantação da fibra representa um procedimento invasivo, causando dano cerebral permanente ao longo do caminho da implantação. Além disso, a incompatibilidade mecânica entre o material de fibra rígida e o tecido cerebral geralmente resulta em uma resposta imune crônica na interface da fibra, podendo prejudicar as populações neuronais e gliais locais enquanto degrada o desempenho a longo prazo da interface da fibra. Além disso, a fibra ótica amarrada ao crânio restringe o comportamento naturalista do sujeito, interferindo assim no movimento livre e nas interações sociais dos animais em estudo. Para tentar resolver esse problemas, novas técnicas de optogenética têm sido estudadas, a sono-optogenética, que representa uma alternativa atraente aos métodos convencionais de optogenética baseados em fibra, substituindo a fibra óptica invasiva do cérebro por ultrassom focado em tecido (Imagem abaixo). Entretanto, ainda não se sabe se esse procedimento possui a mesma acurácia e efetividade sobre o controle neuronal quando comparado com os métodos tradicionais. Para isso, é necessário a realização de estudos futuros para comparar a atividade neuronal ou de grupos de neurônios (EEG) de ambos métodos, além do desenvolvimento de técnicas mais eficazes que busquem a melhor biocompatibilidade do aparato opgenético sem interferir na função de controle da atividade neuronal.


Referências:
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